Cidade do Vaticano (RV) – Em cerimônia no Vaticano, o Papa Francisco recebeu na manhã desta sexta-feira (06/05) o Prêmio ‘Carlos Magno’ e proferiu às autoridades presentes um discurso reiterando, já no início, que este reconhecimento é dedicado a toda a Europa.
“Europa que, no século passado, deu testemunho à humanidade de que um novo começo era possível: depois de anos de trágicos confrontos, culminados na guerra mais terrível de que se tem memória, reencontrou-se a si mesma e começou a edificar a sua casa”, disse.
No entanto, continuou o Pontífice, “esta família de povos nos últimos tempos parece sentir como menos suas as paredes da casa comum, distanciando-se do luminoso projeto arquitetado pelos Pais”.
O que aconteceu com a Europa?
Diante de uma plateia prevalentemente europeia, o Papa retomou o questionamento já feito em sua visita de 2014 ao Parlamento Europeu, quando falou de uma “Europa avó, cansada e envelhecida, decadente e tentada mais a dominar espaços do que a gerar processos de inclusão e transformação”.
“O que te aconteceu, Europa humanista, paladina dos direitos humanos, da democracia e da liberdade? O que te aconteceu, Europa terra de poetas, filósofos, artistas, músicos, escritores? O que te aconteceu, Europa mãe de povos e nações, mãe de grandes homens e mulheres que souberam defender e dar a vida pela dignidade dos seus irmãos?”, perguntou.
A resposta, segundo Francisco, está na chamada “transfusão de memória”. “É preciso ouvir a voz dos nossos antepassados, evocar os Pais fundadores da Europa, que souberam procurar estradas alternativas, inovadoras naquele contexto marcado pelas feridas da guerra; procuraram soluções multilaterais para os problemas que pouco a pouco iam se tornando comuns”.
Integrar, dialogar e gerar
A este ponto, o Pontífice frisou o conceito da solidariedade de fato, a generosidade concreta que se seguiu à II Guerra Mundial, e que hoje nos devem inspirar, mais do que nunca, a construir pontes e a derrubar muros; ‘atualizar’ a ideia de Europa e gerar um novo humanismo baseado em três capacidades: a capacidade de integrar, a capacidade de dialogar e a capacidade de gerar.
Integrar as culturas mais diversas num encontro de civilizações e povos e assim, redescobrir a amplitude da alma europeia, sem ‘colonizações ideológicas’. Dialogar é abrir instâncias, reconhecer no outro um interlocutor válido, que nos permita ver o forasteiro, o migrante, a pessoa que pertence a outra cultura como sujeito a ser ouvido, considerado e apreciado. “A cultura do diálogo deveria constar em todos os currículos escolares como eixo transversal das disciplinas”, propôs Francisco.
Em relação à capacidade de gerar, papel preponderante têm os jovens, que com os seus sonhos forjam o espírito europeu. São eles os operadores das mudanças e transformações; os protagonistas. “Mas como podemos fazê-los partícipes desta construção quando os privamos de emprego, de trabalhos dignos que lhes permitam desenvolver-se com as suas mãos, a sua inteligência e as suas energias?”, questionou novamente.
Justa distribuição dos frutos da terra e do trabalho
“A justa distribuição dos frutos da terra e do trabalho humano não é mera filantropia; é um dever moral”, afirmou, sugerindo que isto requer a busca de novos modelos econômicos, mais inclusivos e equitativos, orientados não para o serviço de poucos, mas para benefício do povo e da sociedade: “a passagem de uma economia líquida a uma economia social”. Na prática, deixar de lado a economia que visa o rendimento e o lucro com base na especulação, em prol de uma economia social, que invista nas pessoas criando postos de trabalho e qualificação.
Inclusão
A solução para um futuro digno, e de paz para as nossas sociedades está, segundo o Pontífice, na verdadeira inclusão: “a inclusão que dá o trabalho digno, livre, criativo, participativo e solidário”, que pode nos dar novamente a capacidade de sonhar aquele humanismo, cujo berço e fonte é a Europa.
Em relação ao papel da Igreja, recordou que o anúncio do Evangelho hoje, mais do que nunca, “se traduz sobretudo em sair ao encontro das feridas do homem, levando a presença forte e simples de Jesus, a sua misericórdia consoladora e encorajante”.
Europa capaz de ser mãe
Concluindo, o Papa confiou aos presentes o seu sonho de Europa: “Um caminho constante de humanização; uma Europa jovem, capaz de ainda ser mãe, uma mãe que respeita a vida e dá esperanças de vida; que cuida da criança, que socorre como um irmão o pobre e quem chega à procura de acolhimento porque já não tem nada e pede abrigo. Sonho uma Europa que escuta e valoriza as pessoas doentes e idosas, para que não sejam reduzidas a objetos de descarte porque improdutivas. Sonho uma Europa onde ser migrante não seja delito, mas apelo a um maior compromisso com a dignidade de todos os seres humanos. Sonho uma Europa onde os jovens respirem o ar puro da honestidade, amem a beleza da cultura e duma vida simples, não poluída pelas solicitações sem fim do consumismo; onde casar e ter filhos sejam uma responsabilidade e uma alegria grande, não um problema criado pela falta de trabalho suficientemente estável. Sonho uma Europa das famílias, com políticas realmente eficazes, centradas mais nos rostos do que nos números, mais no nascimento dos filhos do que no aumento dos bens. Sonho uma Europa que promova e tutele os direitos de cada um, sem esquecer os deveres para com todos. Sonho uma Europa da qual não se possa dizer que o seu compromisso em prol dos direitos humanos constituiu a sua última utopia”.